Caso Meng Wanzhou: Prisões, disputas e batalhas na Justiça

O caso explodiu em 1º de dezembro de 2018, quando Meng, filha do fundador da Huawei, Ren Zhengfei, foi detida pelas autoridades canadenses a pedido dos Estados Unidos, enquanto fazia escala na cidade de Vancouver a caminho do México. O Departamento de Justiça de Washington a acusou de violar as sanções dos EUA ao Irã e exigiu de Ottawa sua extradição.

Pequim ficou furiosa com o que considerou um ataque politizado contra uma de suas empresas protagonistas no setor de tecnologia e líder no campo do 5G. Apenas dois dias depois, em retaliação, dois canadenses foram presos sob suspeita de espionagem. Kovrig, um ex-diplomata que no momento de sua prisão trabalhava para a ONG especializada em resolução de conflitos Grupo de Crise, estava preso em Pequim. Spavor, empresário especializado em intercâmbio cultural com a Coreia do Norte, foi preso em sua casa em Dandong, na fronteira daquele país com a China.

Spavor foi sentenciado em agosto a 11 anos de prisão por espionar e entregar segredos de Estado a forças estrangeiras. Kovrig havia sido julgado em março, mas ainda aguardava a sentença.

Canadá e Estados Unidos sempre descreveram as prisões dos dois canadenses como “arbitrárias”. Diplomatas chineses sempre declararam, até o último momento, que os casos não tinham relação com a detenção de Meng, mantida em prisão domiciliar em uma de suas mansões em Vancouver. Em 3 de setembro, o Ministério das Relações Exteriores em Pequim insistiu que “o incidente de Meng Wanzhou e os casos de Michael Spavor e Michael Kovrig são de natureza totalmente diferente. Casos isolados de cidadãos canadenses foram espetacularizados e a China foi falsamente acusada de detenção arbitrária“.

O nó górdio foi desfeito quando o Departamento de Justiça dos Estados Unidos chegou a um acordo com Meng, pelo qual a executiva foi libertada em troca de reconhecer publicamente o cometimento de delitos menores. A libertação do CFO e dos dois canadenses representa um ramo de oliveira entre Washington e Pequim. Abre, talvez, a porta para um certo recomeço nas relações entre os dois rivais, após uma deterioração geral dos laços durante os quatro anos do mandato de Donald Trump e que não melhorou após a chegada à Casa Branca de Joe Biden.

O acordo, e seu rápido desfecho, foram anunciados precisamente no dia em que Biden estava realizando uma cúpula na Casa Branca com membros do Quad, a associação de segurança informal formada por Estados Unidos, Japão, Austrália e Índia. E que Pequim percebe como uma aliança para limitar sua influência na região do Indo-Pacífico. Também ocorreu uma semana após o anúncio de um pacto de defesa entre os Estados Unidos, Austrália e Reino Unido que incluirá, entre outras coisas, o fornecimento de submarinos nucleares para Camberra. O acordo, conhecido como Aukus, fortalecerá a influência dos EUA na região da Ásia-Pacífico e recebeu duras críticas da China, que o considera um novo ato hostil.

O pacto entre o Ministério Público dos Estados Unidos e Meng vigorará até dezembro de 2022, sendo que até lá os Estados Unidos poderão reativar o processo judicial, se julgarem necessário. Se até essa data não houver denúncia do acordo, o caso será considerado definitivamente encerrado. Poucas horas depois que as acusações foram retiradas, os juízes canadenses encerraram formalmente o processo de extradição da executiva chinesa.

A cronologia do caso:

– Procurada –

Em agosto de 2018, um tribunal de Nova York emitiu um mandado de prisão para Wanzhou Meng, número dois da Huawei, acusada de mentir para o HSBC sobre a relação da empresa de telecomunicações com a subsidiária Skycom, que vendia equipamentos para o Irã, colocando o banco em risco de violar as sanções dos EUA contra Teerã.

– A prisão –

Em 1º de dezembro, Wanzhou foi presa a pedido de autoridades americanas quando fazia uma conexão aérea em Vancouver.

Em 6 de dezembro, o primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, disse que “não houve interferência política” e que o sistema judicial do Canadá agiu de forma independente em relação à extradição. Dois dias depois, a China ameaçou o Canadá com consequências graves.

– Dois Michaels presos na China –

Em 10 de dezembro, Pequim prendeu o ex-diplomata Michael Kovrig, funcionário do grupo de especialistas International Crisis Group, e o consultor empresarial Michael Spavor, os quais acusou de participar “de atividades que ameaçam a segurança nacional da China”.

Os canadenses Michael Spavor (esquerda) e Michael Kovrig (direita).

– Trudeau e Trump –

Em janeiro de 2019, Trudeau e o então presidente dos EUA, Donald Trump, denunciaram a “prisão arbitrária” dos dois canadenses na China. Ainda naquele mês, Trudeau demitiu o então embaixador canadense na China, John McCallum, por ter dito em entrevista à imprensa chinesa que Meng Wanzhou tinha bases sólidas para impugnar sua extradição aos Estados Unidos.

– Sentença de morte –

Também em janeiro de 2019, a tensão diplomática se intensificou quando um tribunal chinês condenou à morte o canadense Robert Lloyd Schellenberg, 36, em um novo julgamento expresso, por considerar que sua condenação anterior, a 15 anos de prisão por tráfico de drogas, era muito branda.

Após a sentença de morte, o Canadá atualizou a advertência contra viagens à China, pelo “risco de aplicação arbitrária das leis locais”. Em resposta, a China alertou seus cidadãos para “os riscos” de viajarem ao Canadá, citando a prisão de Meng Wanzhou.

– Problemas comerciais –

Em março de 2019, Pequim citou “pragas perigosas” encontradas em remessas canadenses de canola para justificar a proibição da importação de sementes.

Em junho, a China suspendeu todas as importações de carne bovina e suína canadense, alegando a descoberta de certificados sanitários veterinários falsos. Em novembro, Pequim retomou a importação de carne canadense.

– Acusações formais –

Em junho de 2020, a China acusou formalmente Michael Kovrig e Michael Spavor, mais de 18 meses após a prisão dos mesmos por “espionagem estrangeira” e por “revelarem segredos de Estado”.

– Pedido dos advogados –

Em janeiro de 2021, a Justiça rejeitou um pedido dos advogados de Meng Wanzhou para aliviar as condições da sua liberdade sob fiança, que incluíam toque de recolher, tornozeleira e supervisão diurna de guardas na mansão onde ela morava em Vancouver.

– Acordo de libertação –

Em 24 de setembro, Wanzhou chegou a um acordo com os promotores dos EUA para evitar acusações de fraude e ganhou a liberdade, durante uma audiência na corte de Vancouver. Ele viajou rapidamente para a cidade chinesa de Shenzhen.

– Volta para casa –

Michael Kovrig e Michael Spavor, que haviam sido julgados em março, foram soltos pouco depois e retornavam ao Canadá, segundo Trudeau.

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