Personalidades influentes da Europa e da América do Norte se reúnem todos os anos para debater o futuro do capitalismo. Poderia ser uma conferência comum em prol de debate e livre pensamento, mas o sigilo que cerca o Clube Bilderberg levanta críticas, curiosidade e, claro, teorias de conspiração.
Criado em 1954, o objetivo inicial do Clube Bilderberg era promover o diálogo entre a Europa e a América do Norte para evitar outra guerra mundial. Ao longo dos anos, porém, as prioridades do grupo mudaram para promover um consenso sobre o capitalismo de livre mercado e defender seus interesses.
“O clube não é um grupo de conspiradores que tentam destruir nações”, explicou o analista político Rodney Atkinson em 2001. “Eles são o tipo de pessoa selecionada com base em sua capacidade de dizer sim ao corporativismo internacional supranacional, que é base, é claro, da União Europeia”.
Origens
Entre 1954 e 1976 as reuniões foram presididas pelo príncipe Bernhard, da Holanda. O atual presidente é o conde francês Henri de Castries, que substituiu Étienne Davignon, belga que atribuiu a criação do euro à influência do clube. De acordo com o site da organização, Castries é “um membro bem relacionado da sociedade francesa”. Ele foi também presidente e CEO da companhia de seguros e gestão de ativos AXA, e é atualmente vice-presidente da Nestlé e diretor do HSBC.
A primeira conferência do grupo foi realizada no Hotel de Bilderberg, em Oosterbeek, Holanda, em maio de 1954. O pontapé inicial foi dado pelo político polonês Józef Retinger. Preocupado com o crescimento do antiamericanismo na Europa Ocidental, ele sugeriu a criação de uma conferência internacional para promover uma melhor compreensão entre as culturas dos Estados Unidos e da Europa Ocidental – a intenção era fomentar a cooperação em questões políticas, econômicas e de defesa.
A ideia foi aceita por Bernhard, juntamente com o ex-primeiro ministro belga, Paul van Zeeland, e o então chefe da Unilever, Paul Rijkens. O passo seguinte de Bernhard foi convidar o chefe da CIA, Walter Bedell Smith, que pediu a Charles Douglas Jackson , conselheiro do presidente americano Dwight Eisenhower, que viabilizasse a conferência.
“Dizer que estávamos lutando por um governo mundial é exagerado, mas não totalmente equivocado. Nós, em Bilderberg, sentimos que não poderíamos continuar brigando para sempre uns contra os outros por nada, matando pessoas e deixando milhões de desabrigados”, disse Denis Healey, fundador do grupo Bilderberg e membro do comitê de direção por 30 anos, em entrevista ao Guardian também em 2001.
Passado e presente
Na primeira conferência participaram 50 delegados de 11 países da Europa Ocidental. No modelo desenvolvido naquele ano, ela contou com dois participantes de cada país, um conservador e um progressista.
A Fundação Ford foi uma das financiadoras do clube durante os primeiros anos. Ela doou US$ 30 mil para a primeira conferência realizada nos EUA, na ilha de St. Simons, no Estado da Geórgia, em 1957. E também auxiliou no financiamento das edições de 1959 e 1963.
Por mais de meio século, nenhuma pauta ou mesmo os tópicos de discussão se tornaram públicos, tampouco qualquer cobertura da imprensa foi permitida. Hoje, os temas de discussão são divulgados pela organização um dia antes do encontro, bem como a lista de participantes.
Em 2019 a reunião ocorreu no Hotel Montreux Palace, em Montreux, na Suíça, entre 30 de maio a 2 de junho. A conferência teve participação do secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, do governador do Banco da Inglaterra, Mark Carney, do Secretário-Geral da OTAN, Jens Stoltenberg, do CEO da Microsoft, Satya Nadella, e do ex-secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, entre outras figuras influentes para o capitalismo mundial. O evento abordou temas como o futuro do capitalismo, mudanças climáticas, Brexit, China e Rússia.
Participantes controversos, sigilo e conspiração
A organização conta atualmente com cerca de 120 participantes escolhidos por um Comitê Diretivo, que incluem líderes políticos, especialistas da indústria, finanças, academia e mídia. Os participantes podem ser membros ou convidados apenas para discutir assuntos específicos. Aproximadamente um terço deles são políticos; entre os demais estão banqueiros, diretores de grandes empresas e membros do conselho de grandes corporações de capital aberto, incluindo IBM, Xerox, Royal Dutch Shell, Nokia e Daimler. Helmut Kohl, Bill Clinton, Bill Gates, Christine Lagarde, Tony Blair e José Manuel Barros já participaram do clube.
O rol de participantes inclui também algumas figuras controversas, como Paul Wolfowitz, ex-presidente do Banco Mundial e ex-subsecretário de Defesa dos Estados Unidos na gestão que iniciou a Guerra do Iraque, e Henry Kissinger, diplomata americano que recebeu o Prêmio Nobel da Paz pouco depois de autorizar ataques com armas químicas contra o Vietnã. Os participantes de outros países são tão proeminentes quanto os americanos.
Mas não são apenas figuras que já estão no topo da economia e do poder. Há também gente que está subindo nessa trajetória.
Quando Bill Clinton compareceu em 1991, ainda não estava claro se ele seria indicado pelo Partido Democrata para concorrer à Presidência dos Estados Unidos no ano seguinte. Ele acabou ganhando a indicação e as eleições, vencendo George H. W. Bush (1924-2018).
Tony Blair foi ao evento em 1993. Ele só se tornaria líder do Partido Trabalhista no ano seguinte, após a morte de John Smith. Três anos depois, Blair foi eleito primeiro-ministro do Reino Unido.
As reuniões seguem a “Regra de Chatham House”, o que significa que as informações compartilhadas podem ser utilizadas pelos participantes, mas eles não podem revelar detalhes das discussões. Não são feitas atas das reuniões e jornalistas não têm autorização para fazer cobertura, mesmo se participarem como convidados.
Devido ao sigilo em torno das discussões, o clube tornou-se um alvo de teorias da conspiração que afirmam que os membros trabalham secretamente com os Illuminati, os maçons ou ainda os reptilianos – uma cabala secreta de lagartos que mudam de forma fundada pela feiticeira mitológica Semiramis.
“Não podemos fazer nada contra teorias de conspiração”, disse o ex-presidente Étienne Davignon, em entrevista em 2011. Para ele, a regra de sigilo é um grande atrativo para os participantes, pois permite que exponham suas ideias e debatam abertamente sem que seus comentários sejam expostos posteriormente.
Área de influência
A influência do Clube Bilderberg sobre negócios e finanças, política global, guerra e paz e controle dos recursos mundiais foi investigada por Daniel Estulin, que publicou em 2005 o livro A verdadeira história do Clube Bilderberg.
“Lentamente, penetrei nas camadas de segredo que cercam o Grupo Bilderberg”, diz Estulin, que afirma que o clube é “um governo mundial sombrio” que ameaça tirar a autonomia e prejudicar o bem-estar do público. Ele defende que os membros querem suplantar a soberania do Estado-nação com um governo global onipotente, controlado pelas grandes corporações.
Já para David Aaronovitch, autor de “Voodoo Histories: The Role of the Conspiracy Theory in Shaping Modern History” [Histórias de vudu: o papel das teorias da conspiração na formação da história moderna], o Clube Bilderberg não é nada mais sinistro do que “um clube de jantar ocasional”.
As conspirações sobre o segredo das reuniões também foram debatidas por Selva Demiralp, professora de Economia na Koç University e uma das participantes da 67ª edição do Clube Bilderberg, em artigo publicado pela BBC Turquia. Selma afirma que a curiosidade sobre o grupo é alimentada pelo sigilo das reuniões, mas que ele só existe para que os participantes sintam-se mais à vontade para discutir abertamente.
“Com a confiança de ter participado da reunião, posso dizer claramente que elas não são uma plataforma na qual ‘segredos e planos ocultos são compartilhados’. Se esse fosse o caso, os participantes não poderiam dar informações sobre o conteúdo, conforme exigido pela regra ‘Chatham House’. Tampouco eu estaria escrevendo este artigo”, destaca.
Demiralp revela ainda que o tema geral da reunião foi permitir que a Europa e os Estados Unidos se encontrem em um ponto comum e possam produzir soluções conjuntas para ameaças crescentes. Essas ameaças incluem guerras comerciais, terrorismo e mudanças climáticas, além da crise de imigração na União Europeia.
“Outro tema principal discutido foi a natureza de uma base de reconciliação para as diferenças ideológicas entre o Ocidente e a China em uma ordem global na qual os países estão gradualmente ligados uns aos outros com laços mais fortes em termos de comércio e tecnologia”, diz Demiralp.
Ela acrescenta ainda que o grupo mostrou preocupação com uma guerra fria tecnológica com a China e, nesta situação, o bloco europeu tomaria o lado dos Estados Unidos.
Poder – conspiratório – real
Os críticos e teóricos da conspiração têm um argumento razoável, diz o professor Andrew Kakabadse, coautor do livro Bilderberg People.
O grupo tem um poder genuíno que supera de longe o Fórum Econômico Mundial, que se reúne em Davos, argumenta ele. E como o encontro é secreto, é fácil entender por que as pessoas estão preocupadas com sua influência.
No evento, a agenda, que reúne elites políticas tanto da direita quanto da esquerda, mistura-se a um ambiente descontraído e luxuoso.
O tema de Bilderberg é reforçar um consenso em torno do capitalismo ocidental do livre mercado e seus interesses em todo o mundo, diz Kakabadse.
“O Grupo Bilderberg propõe uma ideia de um governo mundial único? Em um sentido sim. Há um movimento muito forte para ter um governo mundial único nos moldes do capitalismo ocidental de livre mercado”, afirma Kakabadse.